quarta-feira, dezembro 27, 2006

Apólogo.


Sentiu uma forte pontada em suas vergonhas, e arrepiou-se com tamanha fome que de tal forma abriu a boca de teu ventre e mostrou-lhe os dentes para devorar aquela refeição tanto esperada, parecia estar a dias sem se alimentar, parecia uma criancinha etíope que vagava a mostrar seus ossos implorando ao seu benfeitor para nutrir aquelas carnes tremulas, vivas porém esquecidas da natureza de sua existência. Comia de tal forma que era possível ver em seu rosto uma felicidade exorbitante, a cada movimento de tua boca feroz e avalassadora percebia que teu corpo corava, enrubrecia como se o sangue estivesse a borbulhar por dentro.

Havia dentre todos aqueles clubes uma festa que perdurava durante dias, uma festa capaz de horrorizar aqueles que se autoflagelavam em favor de suas condolências, de despir as beatas que tinham se esquecido de sua propria beleza naquelas roupas que as separavam do mundo, esta festa dava forças àqueles que poucas forças tinham para se jogar em favor da carne, e alimentava aqueles mais famintos que não se contentam sem as extravagâncias. O ar era denso, pesado, úmido denotando aqueles exasperados movimentos que ambientavam aquele ritual, um swing que fazia esquecer o temor do mundo que circulava os pobres homens que aqui não poderiam entrar, pois esta festa era a festa daqueles reis que determinam os súditos que por bem irão segui-los, esta era a festa do rei Calígula. Aquele castelo erguido sobre a terra tinha mais de cem quartos todos preenchidos por animais que perambulavam naquela penumbra, com seus olhos iluminados por cada cor que faziam se distinguir um a outro via-se em reflexos estampados na sombra destas luzes a caricatura de fantasias de outro mundo, não eram mais pessoas, eram personagens de outras épocas, eram coisas de outras épocas tanto que poderiam ser um adereço à casa como se lá estivessem há anos. As enormes salas eram estampadas por veludos persas, cadeiras, mesas feitas de ouro maciço, todas, a exceção do altar do rei, tinham quadros de grandes pintores, livros de edições remotas que mostravam ao mundo um conhecimento capaz de erguer um novo pilar aos céus, havia em todas salas bebidas e comidas capazes de embriagar e alimentar todo o exercito francês em marcha contra o frio das terras russas, e musicas para comemorar cada batalha que em cada sala havia de travar os corajosos homens e mulheres ao percorrê-las, tais como; o ranger dos tambores africanos, a musica clássica européia que tocavam desde valsas a musicas românticas de Chopin, o jazz fusion efervescente de Miles Davis, o cool jazz de Coltrane, o bebop de Mingus, tocaria também além de músicas lisérgicas de Pink Floyd, o rock in roll de Led Zepplin, como também ainda teria o samba de Cartola, Bezerra da Silva, dentre outros tipos de musica havia a salsa, o mambo, os ritmos caribenhos, o tango de Piazzola.

Não há outono, para uma cidade, que está localizada entre os trópicos e quase beirando a linha do equador. O inverno é apenas uma massa cinzenta vinda do Sul pesada e transtornada, os ventos que sopram para cá são ventos misericordiosos, místicos pois alimentam a sede da devoção desse Santo que faz chover, e o verão é o suor daqueles que oram para que semeie na terra a prosperidade de seus descendentes. Mas, entre-periodos, que faz o homem arar esta terra enlameada, brotou do céu uma cor excêntrica, copulosa, tal cor tão indescritível quanto a cor flicts, de Ziraldo, tal era a intensidade desta cor que foi capaz de fazer estes homens pararem de arar a terra e olharem aflitos para o céu como se neste dia fossem presenciar um ato divino, um ato capaz de marcar este corpo com uma cicatriz capaz de mudar o destino.

Nesta mesma época, mesmo aqueles que nada obtinham destas chuvas ou até mesmo aqueles que apenas perderam nestas chuvas, iam às ruas jogar dádivas em cada canto da cidade, jogava-se pertences que mais valiam para suas memórias, mesmo aqueles mais caros ou mais rudimentares. Gritavam até a ultima gota de oxigênio que restava em seus pulmões; "Perde-se hoje, ganha-se amanhã" como que houvesse uma troca subjetiva de memorias a partir do desejo de se doar a um novo caminho, de maneira que minha riqueza será a sua riqueza.

O Rei que estava em seu jardim triunfal, megalomaníaco de flores jamais encontradas na face da terra senão em histórias remotas de biólogos enciclopedistas contemplava a cor que desejou ver no céu em seu devaneio febril da virose que os ventos de inverno trouxeram para seu leito numa manhã chuvosa de agosto. Pagou às empresas químicas que criassem um céu jamais visto por alguém, para saborear o desejo de ver o seu sonho tornar-se realidade, assim ainda rouco de sua doença, bravejou;

"Ah... Estes sonhos! Que sonhos tomam a nós. Que tomam a liberdade de se refugiar nestes devaneios, nesta áurea insólita que se misturam para dotar de energias um exercício profundo desta imaginação. É nele que conjura-se o fervor deste impulso que joga-lhe, para um salto, para lá onde está a tua infância, a sua adolescência, a sua maturidade e a sua velhice, e é neste mergulho que afana-se o desejo de onde estava esquecido. Seria tal como uma corrida em que joga-se contra o tempo a vontade de permanecer neste local que passou, nestes locais que ainda faltam a percorrer, mas que, em sua incerteza e convicção, há de existirem. "