sábado, agosto 26, 2006

O perfume de Clarisse.

Estava no quarto, as paredes brancas com partes pintadas por uma cor inexplicável empregava ao sono uma sonoridade terna, a minha miopia comprimia o semblante de uma alquimia de combinações de roupas, um cinzeiro, maço de cigarro, livros, alguns CDs ao chão e um 'corpo morto' ao meu lado. Deitado na cama coberto por uma antiga cocha que me aquecia, por um braço leve que se enroscava em mim como se estivesse protegendo-se, refugiando-se de uma luminosidade que atravessava as cortinas se jogando pelos cantos, o semblante hibrido de dois valores adicionados a um espaço de altivez convergia um sintomático anestésico.

Com seus olhos entreabertos transparecia a inocência de um ser que está desarmado, desprovido de qualquer forma de se defender, de certo que não havia do que se defender, não precisava esconder os seios que estavam descobertos, suas vergonhas saradinhas a fora como se o pudor demonstrando o fervor da jovialidade depusesse as diferenças entre os gêneros masculino e feminino. Ali, estava encolhida em seu gozar de cordialidade que rebuscava o instinto animalesco, acariciando fraternalmente o desejo de copular, sutilmente se deliciar com a sensação mutua de consentimento de prazer do bem-estar. Um equilíbrio que flutuava calmamente proporcionando a despretensão de um envolvimento, onde a casualidade reinava para a construção momentânea. Passeei o indicador em seus cabelos escuros levemente deslizando às linhas uniformes de sua face, na rubrozidade de suas bochechas sonolentas regozijava em murmúrios o estado vivo-morto-estátua.

A beleza não está nas formas e nas cores, está na nuance da variável infinitesimal onde quadros em seqüência conjugam o movimento das mesmas formas e cores. Assim, esteticamente, comprovando a natureza afirmativa e justificável destes quadros 'eu vejo' você , subjetivamente dentro do meu imaginário, dentro deste pequeno devir recíproco. Neste momento, inclinou os seus olhos escuros diretamente aos meus, e como sempre, isto me desconsertava, Clarisse sabia que a intencionabilidade deste ato estava implicitamente ligado ao medo. Ainda não falou sequer uma palavra pensava, este era um dos passatempos preferidos, e assim, continuou a observar, a me observar, a buscar o fetiche do real e se agarrar nele para satisfazer a sua vontade de preservar na lembrança o estado de espírito. Talvez por isso, levantou-se e buscando aquela luminosidade que se escondia pelos cantos do quarto iluminar-se, para cravar na minha mente aquilo que antes estava escondido por uma colcha. Por alguns segundos fiquei ali a olhar, então através do desejo que pulsionou a ação, me levantei buscando o feixe de luz que coubera a mim. Agora eram dois nus, um em frente ao outro, descobertos de qualquer mascara; olhos nus, pescoços nus, ombros nus, braços nus, peitos nus, barrigas nuas, vergonhas nuas, pernas nuas e pés nus.

Aproximou-se de mim buscando através da tonalidade e intensidade provocar sensitivamente a cognição, buscando aproximar-se da vida que antes era contemplação, antes era um corpo inerte na inércia de seu comportamento racional. Hesitei ao meu desejo ao vê-la se aproximar, seus olhos desinibidos afrontavam-me de forma que me dominou. Tornei aquele ursinho em que ela se agarrava em seu sono, onde não poderia fugir para outra dona, não poderia deixá-la pois ela deu a ele o significante de ser um animal de pelúcia. Eu consenti, pois sabia que era fraco o suficiente para suportar o desejo e pelo medo da responsabilidade de tornar-se dominador.

O perfume, esta essência que te traz ao quarto, onde o sufoca em todos os lugares, esta fragrância cognitiva de algo real estritamente particular àquela necessidade de sentir provocar-lhe o ardor de copular. Fechei os olhos, apenas imaginei e consenti seu cheiro dominar-me, tornar-me um ser depende a outro apenas pela sensação confortável de estar preso, apesar de que não saberia descrever o seu cheiro, nem ao menos descrevê-la, seria impossível determinar com tanta clareza um cheiro que fosse único e imutável, apenas sei que este cheiro se reduz a algo que não posso perder, uma necessidade absurda de manter o passado, as lembranças, manter a afirmação de que eu existo perante alguém, a um ser que concorda. Assim, o perfume que está na minha frente, que encosta seu corpo ao meu inebriando os pensamentos, este cheiro que arde, que goza de prazer de apreensão ao manipular, transforma-se em um reduto de cheiros que passeia culminando em um estupro sensitivo, em uma necessidade de furtar cada pedaço deste ar que perpassa a mucosa amarela chegando ao centro olfativo e, desconstruí-lo afim de entender cada odor especifico que transforma em um ser único para si. O cheiro de seus cabelos, de sua face, de seu pescoço, seus braços, de seus seios, de sua barriga, de sua vergonha saradinha, de suas pernas, de seus pés. Então, quase que colando seu corpo ao meu, inebriando sensitivamente antes o tato, minha visão, meu olfato, neste momento...

Clarisse:
Eu preciso ir...
(...) :
Agora?
Clarisse:
(Silenciou e se vestindo).
Já está tarde.

Sentou-se à cama, nu, com toda aquela carne trêmula, com seus olhos esbugalhados de tristeza ao abandono, com aquele semblante solitário de uma pessoa que desdenha de sua vida, lá fumava seu cigarro como se nada mais houvesse além daquele quarto, daquele seu pequeno universo egocêntrico, esquecendo que há outros quartos no mundo a ir, há o meu quarto para onde devo ir.

Um comentário:

tresvarios escrotos disse...

Peçanha tu é um puto fuleiro... Clarisse ta acima de uma simples foda!!!