domingo, setembro 03, 2006

Consternação

A indiferença é algo cético ligado a um cinismo desnorteante que desvincula o mundo de si para justificar a sua existência como algo único? Ou até mesmo se proteger de algo que é tão quanto cínico que você? Ou até mesmo se balbuciar com a destreza de uma situação?

Estava sentada comprimida em seus pensamentos longínquos de uma vida que certamente se beirava numa imensidão de um espaço inexistente, na inércia do movimento que se destinava a um lugar específico, a espera do próximo terminal que se propusesse a levar a uma nova jornada, a algo que quebrasse a sua interminável espera pelo inexplicável. Era loira, tinha traços finos, olhos castanhos e vestia roupas que transmitiam o ar de uma jovem de vinte poucos anos que perambulava entre a dúvida de sua pós-adolescência e seu dever de sobrevivência. Certamente, estava ali como todos os dias estivera ali para subitamente lhe acontecer o imprevisto, como se soubesse que naquele dia especifico, de antemão, esperasse minha presença para poder exprimir uma sensação pura a qual não me faria esquecê-la.

Chorou, chorou e chorou. Um soluço que atravessava sua garganta e lhe fazia tremer de medo. Foi tão instantâneo que não bastou segundos após um rápido telefonema que sucedeu a dar em lágrimas. Era silencioso seu choro, como se não houvesse nada que pudesse lhe trazer a tona que estava a olhos nu dentre todos. Especialmente a mim, que estava ao seu lado, tão atônico quanto ela ao seu misterioso telefonema. Hesitei. Novamente hesitei. Não havia o que falar. Estava perplexo por uma situação atípica decorrer diante dos meus olhos. Sabia que por mais estúpido que fosse um consolo ajudaria a manter o senso de realidade e voltaria a reconhecer a existência de um mundo real que a minutos atrás estava a sua frente. Pensei em perguntar se estava bem, mas soaria tão tolo que obviamente ela responderia que sim principalmente por mais doloroso que seja a sua dor, as pessoas temem despejar sua fragilidade em cima das pessoas, como se estivessem despidas, completamente indefesas e predispostas a serem atacas por leões famintos. Por mais bondoso que poderia me parecer naquela situação eu estaria impedindo-lhe que sua dor silenciosa, mas perceptível, fosse fugaz e que talvez estivesse destruindo a possibilidade de que o terror de sua mente fosse amenizado. Não que estivesse jogando-a a beira do caos mas que de certa forma estaria lhe retirando a possibilidade de escolha. Retirando ou amenizando o inevitável.

Para o inesperado ela se controla a tempo de atender novamente outra chamada repentina. Num movimento mecânico e condicionado pela situação. Atende, suspira e fala. "Estou indo para casa. Vai dar tudo certo". Esta cena se desenha num realismo cinematográfico italiano, beirando o fantástico filme de Vittorio de Sica, Os Ladrões de Bicicleta, quando a terrível realidade lhe alcança (o personagem principal), na última cena do filme, não há nada mais a se fazer além de acreditar em um resoluto que se dará por acaso, como se agarrasse em meio da escuridão a sua vontade de ultrapassar a única coisa que te resta, o medo. Assim, num ato violento sinaliza a parada do ônibus, como se daquela forma fosse parar já em frente a sua casa.

Nesses segundos que restam, vejo-a em pé, com uma expressão jamais vista antes por mim. Sua beleza havia triplicado - o misto de seu medo, tristeza e decidida a salvar algo que me era desconhecido, a transformara em uma mulher de uma beleza indecifrável. Alegrei-me por não falar, de manter o meu silêncio, de ter visto algo dentro da minha miopia estúpida.

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