quinta-feira, novembro 16, 2006

"Uma frieira que nasce dos prantos, a angústia nasce dos pés."

Esta história não terá por fim uma razão obscurecida de nossos tempos, ela se baseará naquilo que foge o convencionalismo daquilo que é real. Afinal, mais do que um escritor tímido que se esconde em palavras, mas que estas palavras socorram aquilo que foi perdido; escrevo para a vida, adentre ao mundo, faça-se mentir, faça-se dialogar.

Clarice: Tenho uma frieira. Como pode existir tal coisa?
(...): Frieira? Mostre-me seu pé.
Clarice: O que é uma frieira?
(...): Minha falecida avó diria que "Uma frieira que nasce dos prantos, a angústia nasce dos pés."
Clarice: Não estou angustiada. Nem aos pratos.
(...): Pois então, ela está a crescer.
Clarice: A frieira? Preciso ir ao médico. Que remédio trataria disso? Nasce do nada, nem dor sinto, uma ferida que não existe.
(...): Não disse? Ela está a crescer.
Clarice: pare com isso, você está me angustiando. Tenho uma frieira, posso perder meu dedo, o meu pé. Imagine-me manca. Nem um louco como você gostaria de uma manca. Uma invalida, um estorvo que para si locomover precisaria de muletas. Muletas não! Não usaria muletas, muletas são para as pessoas corajosas que apesar do infortúnio lutam contra a natureza, provavelmente eu iria me locomover de cadeiras de rodas. Só que ficaria parada, sem ninguém a socorrer, a mercê dos atos altruístas.
(...): Qual o problema dos atos altruístas? São deles que até hoje sobrevivi.
Clarice: Não conseguiria resignar minha vida como a fez para si. Só a fez para si por medo.
(...): Medo?! Então é disto que estamos falando? Como não ter medo? Como não ver aquilo que está diante de você?
Clarice: Quantas vezes preciso te relembrar que é míope? Agora mesmo mal me vê sem óculos.
(...): Só não a vejo pois não quer. Pois está de pé longe de mim, se escondendo, recolhendo as peças de tua roupa que aí estão no chão para voltar à sua liberdade. Quantas vezes já lhe falei que a liberdade é fulgaz? Não para se almejar no futuro que desconhece, mas a liberdade está para o mundo, só a reconhece quando reconhece o mundo para a liberdade. E o desconhecido nós o somos. Sente-se perto de mim, preciso vê-la de perto.
Clarice: Qual o porquê de estar comigo então se para você não passo de uma estranha? Qual o porquê de estar aqui em teu quarto, sentada em sua cama se não passo de uma estranha?
(...): Como te responder o acaso? Você busca uma resposta que não está em mim, mas está no acontecimento. Depende de mim o desejo de sentir-se livre? Gostar-me-ia que fosse, gostar-me-ia de ser o desconhecido que almeja a liberdade no futuro. Uma utopia capaz de assemelhar-se a vida.
Clarice: Que utopia seria esta que se encontra deitada em uma cama aconchegante como esta? Onde estará o desejo de vivê-la? Se em mim não está por onde andará a sua liberdade?
(...): Meu mestre Sebastião me ensinou sobre a utopia, a dialogar com a utopia, ensinou-me sobre o desvelamento da sutil camada que separa a razão do instinto; não porque de separar a razão do instinto. Não há porque de negar o medo. Não porque de negar o próprio medo que se demonstra da vida. Viver está no próprio medo também.
Clarice: Parece um idiota falando. Foi com você que espantei-me ao encontrar falando sobre política? Falando sobre o medo do individuo que está preso às forças da natureza da política? Falando sobre a necessidade de superar o medo?
(...): Sim. Falei...
Clarice: Então por onde andará agora a sua vontade de sentir-se livre? Seu mestre ensinou a superá-lo? A superar o medo?
(...): Mais que merda, Clarice. Você sabe muito bem que meu medo é você. A sua liberdade que não posso negar. Sei muito bem que dorme com outros, que está para o mundo o seu desejo enquanto vida.
Clarice: E por que eu não teria medo de você? Das outras com quem dorme? Das fanfarrices que fez com aquela meçalina, a Carol? Deita-se com aquela escrota e ainda faz com que Abidoral escreva textos, publique.
(...): Por que estamos brigando? Não foi isso que você queria?
Clarice: Disse que queria te conhecer, mas sem se prender a você.
(...): Aonde você vai?
Clarice: Não pretendo ser uma estranha, e nem penetrar em seu mundo. À sua liberdade antes está a minha. Para onde então irá se encontrar dois desconhecidos? Não estou aqui a representar, mas a criar relações.
(...): Mas esta é a nossa tragédia, encontrar-se e desencontrar-se Clarice.
Clarice: Encontre-me então.

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